É muito desagradável se pegar numa recordação constrangedora
(e eu sou especialista em ter esse tipo de lembrança), a impressão (pelo menos
eu tenho muito disso) é de que estou revivendo a vergonha e não consigo
controlar, seja físico ou afetivamente as sensações, por isso às vezes eu fico
a inclinar os ombros para baixo ou meu rosto paralisa, com uma leve mordida dos
lábios, como se estivesse tentando manter contato com a realidade diante daquela
situação.
Hoje enquanto estava no percurso ao shopping para ver um
filme e tentar me convencer que tem muita coisa boa no mundo, eu recordava de
inúmeras cenas desse tipo: em que falo algo que não devo, não ouço o que uma
pessoa fala e sou cobrada (tendo que admitir que pela 7ª vez de repetição eu
não ouvi), tropecei, cair, soltei uma cantada para um rapaz que estava ao lado
da namorada (eu juro que não sabia), e assim sucessivamente... Eu fui encolhendo
na moto, de forma a tentar controlar meus pensamentos para seguirem para um
caminho mais acolhedor e tranquilo. Mas de repente, eu comecei a rir,
desenfreadamente. Achei tudo aquilo engraçado como se não fosse eu. E de certa
forma, tive um tipo de carinho diferente por mim mesma. Eu estava vivendo... Eu
entendi que em todas aquelas situações eu estava tentando: falei algo que não “devia”,
mas me expressei, disfarcei a falha de ouvir tentando proteger meu self da
exposição de admitir que meus sentidos (no caso o de audição) estavam falhando,
tropecei e cai porque caminhei, soltei cantada para pessoa “errada” porque me
envolvi e respondi àquilo, tive iniciativa. É bom ver que as nossas falhas são
partes constitutivas do que somos, porque a partir delas nós aprendemos, se
não, pelo menos teremos algumas histórias e/ou filmes mentais com cenas da
nossa vida, movimentos e decisões nossas.
Quando estava cheia de amor pelas minhas falhas, eu senti
pena de mim mesma. Não por ter errado, mas por querer acertar sempre e por
achar anormal falhar. É um tipo de comando inconsciente/coletivo/impositivo/cultural
que diz que temos que acertar sempre, fazer bonito, ser sutil e vitoriosa. E
uma mulher gordinha que não se veste como no ultimo catálogo da moda e ainda se
dá ao luxo de tropeçar, cair, falhar na interação, escolher o cara errado, e
ainda, até hoje, não ter um cara ao lado(!) é a personificação do fracasso.
Quando que na realidade o bom mesmo é tentar fazer da nossa vida um livro cheio
de textos, imagens, lembretes e mensagens sobre nós e para nós mesmos. E quando
tudo isso acontecer se achar o máximo, mesmo que seja fazendo tudo diferente,
mesmo que seja o “errado” (quando esse errado é uma decisão própria, já está
valendo).
Eu vejo que não é possível acertar sempre, nem nunca. Na
realidade o que é acertar mesmo?